segunda-feira, 30 de março de 2015

A LÍNGUA ABSOLVIDA

Esse título é o de uma das obras mais bonitas de Elias Canetti, autor do livro intitulado Massa e Poder com que mereceu o Prêmio Nobel, livro que, como já disse, é um dos dez que eu guardaria comigo se fosse obrigado a ter só dez livros.
A Língua Absolvida é outra obra imprescindível. Canetti nasceu na Bulgária e aos oito anos já tinha que lidar com quatro idiomas. É a sina de quem usa uma língua situada nas franjas do poder etnopolítico: a de obrigar-se a pôr de lado a língua que lhe dá identidade.
Nossa cidade e esta região durante meio século tiveram sua própria língua, popularmente chamada de Talián,empurrada para os porões por esse poder etnopolítico. Outro meio século depois teve início o seu resgate, levado adiante por iniciativas localizadas de algumas pequenas organizações. Até que, por iniciativa do IPHAN, seguindo diretriz da Unesco, foi implantado um programa de resgate da diversidade linguística do Brasil.
A primeira língua reconhecida como patrimônio nacional nesse programa, foi o nosso Talián, denominação que se impôs por razões etnográficas e linguísticas. Tornou-se assim uma “língua absolvida”. Não posso deixar de exibir uma ponta de orgulho por ter coordenado na UCS esse projeto, o último de minha vida acadêmica.
Agora, falta o passo seguinte: iniciar um processo dinâmico de recuperação desse patrimônio, a começar por nossas escolas. Um pouco eu já fiz, ao publicar os poemas deCantiRústeghi, com “tradussión” de Cleodes Piazza para o dialeto “de supupá”. E isso lá em 1993!
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terça-feira, 24 de março de 2015

O ANDARILHO

Acaba de ser lançado, pela Editora do Maneco, o livro“Marco Bortolai - o Andarilho”, da autoria de Plínio Mioranza. Reproduzo aqui, sem tirar nem pôr, o que escrevi para apresentar a obra:
‘A história do andarilho Marco Bortolai, narrada neste livro, é fascinante. O personagem que emerge destas memórias, com sua bengala teimosa e suas falas mordazes, traz à tona toda uma velha sabedoria camponesa.
O modo pelo qual Plinio Mioranza reconstitui essa figura põe diante de nossos olhos o quadro da memória reconstituida, o relato histórico, o registro etnográfico e o cenário da época. Mais as falas, ora de drama, ora de comédia. Em resumo, este é um documento para ser guardado como patrimônio de uma cultura’.
Plínio Mioranza vem fazendo um trabalho sério de resgate da(s) história(s) esquecida(s) de Nova Veneza, hoje conhecida como Travessão Alfredo. Nova Veneza perdeu o nome durante a febre nacionalista dos anos 1930, e perdeu também a chance de ser uma importante cidade da serra.Por ela passava a “antiga estrada para Vacaria”, cruzando o rio das Antas no Passo do Simão, o que fez do lugar um importante centro comercial e pré-industrial. Até ser aberta uma estrada mais curta para Vacaria, pelo Passo do Zeferino...

O autor anuncia para breve um livro com episódios terríveis (e também esquecidos) da Revolução de 1923 ocorridos em Nova Veneza. A Nova Veneza da história do Marco Bortolai, que se tornou andarilho, “o velho do saco” que assustava as crianças, porque depositou tudo o que ganhava no Banco Pelotense...
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segunda-feira, 16 de março de 2015

MEMÓRIAS DE CANDIDATO

Ninguém mais lembra, mas fui candidato a deputado federal. Eu ainda lembro porque foi uma experiência impossível de ser esquecida. Aprendi tanto sobre o que ocorre atrás dos panos da política eleitoral que cheguei a começar a escrever um romance com o título de O Candidato. Fiquei na primeira página, já digo por que.
Para fazer a campanha é preciso dinheiro. Para que? Numa festa em São Chico, os possíveis eleitores cobravam do candidato uma rodada de cerveja, que o candidato não pagou. Noutra festa em Vacaria a conta apresentada, e também não paga, era a da carne toda do churrasco. Em Caxias um grupo de migrantes que ia votar em outro município trocava os votos de todos pelo pagamento de ônibus e almoço para os passageiros. Noutra cidadezinha, um cabo eleitoral garantia até 300 votos, com uma “ajuda” de 25 reais por voto. Basta isso de amostra.
A culminância foi a oferta recebida, pelo tesoureiro da campanha, de um “consórcio” de empresas de serviços urbanos: doavam até um milhão de reais com uma condição, a de assinar recibo em dobro do valor recebido. O candidato não aceitou e decidiu terminar ali mesmo sua campanha, que tivera o pequeno auxílio de três empresas.
O candidato não se elegeu, é óbvio, mas viu confirmada a frase do antropólogo Roberto da Matta: “O político no Brasil é corrupto porque o eleitor é corrupto”.

Não continuei o romance planejado também por uma razão óbvia: por mais que usasse a imaginação, não chegaria aos pés das histórias fantásticas que todos estão acompanhando.
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segunda-feira, 9 de março de 2015

QUARTA IDADE

Norberto Bobbio, o grande jurista e filósofo do Piemonte, escreveu aos 85 anos um livro com o título De senectute (isto é, “Sobre a velhice”), que foi publicado em português com o título aguado de Tempo da Memória (1997).
Ele começa dizendo que mesmo a quantidade de anos para alguém ser considerado velho mudou, desde que Cícero escreveu o seu De senectute:
“Aqueles que escreveram obras sobre a velhice, a começar por Cícero, tinham por volta de sessenta anos. Hoje, um sexagenário está velho apenas no sentido burocrático, porque chegou à idade em que geralmente tem direito a uma pensão. O octogenário, salvo exceções, era considerado um velho decrépito, de quem não valia a pena se ocupar. Hoje, ao contrário, a velhice, não burocrática mas fisiológica, começa quando nos aproximamos dos oitenta [...]”.
A mudança é tanta que, diz ele, não se fala mais em terceira, mas em quarta idade. No seu modo peculiar de pensar, Bobbio caracteriza três tipos de velhice: a burocrática, a biológica e a psicológica (que para ele, observa com humor, começou ainda na juventude!). A esses três, penso que poderia ser acrescentado um quarto: a velhice como representação cultural, isto é, de como as pessoas se comportam com relação a ela.

Neste plano podem ser ditas as coisas mais bizarras, como esta que ouvi de um amigo psicanalista. A terceira idade está hoje dividida em três fases, diz ele: dos 60 até os 80 anos o sujeito é idoso; dos 80 aos cem anos ele se torna velho, não escapa disso; mas depois dos cem, passa a ser centenário, atingindo a glória!
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segunda-feira, 2 de março de 2015

FORA DOS TRILHOS

A imagem repetida em todos os meios de comunicação, com filas de caminhões, de carretas, de jamantas, de bitrens estrangulando as rodovias e ameaçando estrangular a economia do país, provoca a seguinte pergunta: onde é que foi parar o transporte em cima de trilhos?
O transporte ferroviário nasceu junto com a industrialização, que na Inglaterra começou mais cedo, que chegou à Itália com atraso, provocando a emigração de milhões de pessoas sem trabalho e que no Brasil chegou com maior atraso ainda, há pouco mais de cem anos. Quando a nossa indústria – de metais, de tecidos, de farinha, de vinho - dava os primeiros passos, a estrada-de-ferro veio para dar suporte. Ou foi por causa do muito amor que o governo republicano estendeu trilhos para as colônias italianas?
Veio o governo de Getúlio e o transporte ferroviário se expandiu, com apoio na siderurgia, preço que Getúlio cobrou dos Estados Unidos para entrar na guerra mundial.  Até que chegou um novo modelo, o de Juscelino, que lançou o desafio de fazer o Brasil crescer cinquenta anos em cinco. Esse modelo foi o do transporte rodoviário. O macadame foi coberto de asfalto, as fábricas de caminhões e automóveis foram importadas, o petróleo virou prioridade nacional. Nessa onda até a indústria de Caxias do Sul migrou do ramo metalúrgico para o rodoviário.
Tudo bem, o país avançou. Mas começam a aparecer os engarrafamentos. Primeiro nas ruas das cidades. E agora também nas rodovias. Tudo fora dos trilhos.

E fora dos trilhos parece que não há salvação.
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