segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

AFINIDADES

 Quando saiu meu romance O quatrilho, um crítico português o comparou, na forma e no tema, com o romance do escritor italiano Cesare Pavese, nascido em 1908. Obra e autor que eu nunca havia lido. Foi a partir daí que fui à sua procura e, de fato, encontrei pontos de afinidade com ele. Também ele fez poesia, também ele foi professor de Literatura e também ele não tinha estômago para suportar ditaduras...
Um livro de Pavese, Lavorare stanca (em português: Trabalhar cansa) sofreu com a censura fascista para ser editado: o título já era visto como uma provocação ao regime. Um outro poema dele, Il dio caprone (“o deus bode”) – que parece ter sido associado com a figura de Mussolini, talvez não por acaso – custou-lhe anos de isolamento na Calábria.
Mas censurar os poetas não foi só obra do fascismo ou da ditadura militar que tivemos no Brasil. Um poeta russo, Osip Mandelstam, foi condenado a trabalhos forçados em Vladivostok, na Sibéria, por causa de uns versos em que fazia humor com os bigodões, o uniforme, os gritos e as botas lustrosas de Stalin. Foram dezesseis versos que significaram sua sentença de morte: morreu na Sibéria de “paralisia cardíaca”.
Cesare Pavese, ao menos, pôde ainda dar o troco com estes versos: “Privando-me do mar, do espaço para andar e voar / o que vocês conseguiram? Cálculo brilhante: / vocês não conseguiram extirpar os lábios que se movem”.

Afinidades existem sempre entre os poetas. Como existem entre os ditadores, não importa a bandeira que ergam.

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